sexta-feira, 30 de outubro de 2015

De Compreender até Ensinar - Estudando Mortimer J. Adler - II

Compreender

Na definição dicionarizada, Compreender é:

"Conter em si, na memória e na consciência, um significado junto ao seu conhecimento associado"

Mas será que uma pessoa comum entende este "Conter em si" ? Nem a definição de "Consciente" ainda chegou em um consenso que pudesse definir algo como estar vivo e saber o que ocorre à nossa volta.

No artigo anterior (De Perceber até Compreender) já antecipamos que Compreender é um fenômeno pessoal, resultado da fusão do que é Aprendido com as nossas experiências pessoais. Existe um dicionário público, acessível mediante compra em livrarias. A Compreensão acerca dos diversos temas do nosso contexto humano está em um dicionário pessoal, construído ao longo da vida de um indivíduo. A definição dicionarizada deveria ser, portanto:

"Armazenar na memória e na consciência, um significado do consenso comum junto às experiências do indivíduo".

Pensar

Segundo estudo da revista "Discover", nossa mente experimenta 50 mil pensamentos por dia em média. O número varia de acordo com a atividade da pessoa. O filósofo John Dewey, autor do livro "How we think (Como pensamos)" [1], define primeiramente o Pensamento como:

"Tudo o que vem à mente, ou passa pela nossa cabeça."

Como "cabeça" é a tradução literal do inglês "head", temos que entender Cabeça como "Raciocínio" ou até "pessoa". Curioso que na época de Dewey já existia o conhecimento sobre o cérebro. Ao descrever a ação de Pensar em termos do " ... que vem à mente ...", podemos entender um funcionamento episódico do cérebro. Ou seja, ele só é ativado mediante estímulo. Mas, conforme as descobertas da Neurosciência, o Cérebro é uma máquina em funcionamento contínuo, que produz nossa sensação de CONSCIÊNCIA.

A Consciência mantém disponível os "objetos de pensamento" correspondentes e associados ao contexto em que a pessoa está. Se estamos no parque, a Consciência disponibiliza ideias de pássaros, grama, sol, flores, cães, sombra, etc. Se estamos no escritório, a Consciência disponibiliza ideias de cadeira, mesa, computador, parede, janela, etc.

A Consciência é sensível ao contexto.

Portanto, podemos definir o Pensamento como:

Observar mentalmente os vários objetos de um contexto, experimentando as suas relações possíveis.

O Pensamento é uma forma ativa de Consciência. Você não fica situado em um contexto apenas por ficar. O interesse da sua mente é despertado para a busca de novos sentidos neste contexto.

Supor

Podemos considerar Supor como uma das operações do processo de Pensar. Supor depende de vontade, de esforço pessoal, e, por vezes, estende a operação de Relacionar para além dos "objetos de pensamento" do contexto examinado. Para obter algo novo, em matéria de Pensamento, é preciso buscar "objetos de pensamento" não óbvios. É o caso da invenção de Alfred Nobel, que achou a solução para que o TNT (explosivo) conseguisse ficar estável, colocando-o à baixa temperatura. Caso semelhante se deu com Einstein em relação à luz. Ele imaginou a si mesmo viajando no raio de luz. Estes cientistas fizeram suposições. O caso de Einstein talvez seja o mais extremo, pois ele pensou como uma criança. A criança não tem ortodoxia em seus pensamentos. Para ela um elefante como Dumbo pode voar utilizando suas orelhas como asas.

O caso mais recente é o da "matéria escura". Peter Higgs a previu por meio de equações. Ele utilizou a sua "terceira visão", como é chamada a Intuição, ou uma suposição que surge automaticamente pra que algo faça sentido.

Na matemática, o zero foi resultado de uma suposição a que chamaríamos de "complementação lógica". Os matemáticos estavam presos à representação das quantidades somente quando elas estivessem presentes. O zero supriu a representação de quantidade nenhuma por um numeral.

Um cientista, um pesquisador, não deve ficar preso somente ao contexto que está analisando, mas fazer associações e relacionamentos bem livres, como uma criança.

Descobrir

A Descoberta verdadeira vem de uma suposição. Do contexto em foco vem somente Conhecimento e confirmação do objeto em estudo. Descobrir vem do relacionamento dos "objetos de pensamento" de um contexto com "objetos de pensamento" de outro contexto, ou do mesmo, mas que ainda não tinha sido identificado. Neste último caso, o pesquisador fez uma "complementação lógica", ou seja, acrescentou algo ainda não definido para que um comportamento do contexto fizesse sentido.

Descobrir é o grau mais alto de Aprendizado. Segundo Mortimer, o descobridor se torna a fonte primária de aprendizado de um tema. Todos nós somos meras "esponjas" de absorção do conhecimento transmitido. Mas quando fazemos suposições e experimentações que levam à descobertas dentro do tema, ou seja, temos uma experiência pessoal com o tema em estudo, somos levados ao Aprendizado completo e verdadeiro.

Ensinar

Há muitos anos o professor era chamado de "Mestre", para caracterizar alguém que já havia alcançado um grau alto de compreensão de um tema, a ponto de poder transmitir seu conhecimento com propriedade. Mas estes tempos já se foram. Os autores de livros se converteram em compiladores do conhecimento existente, e os professores em empregados remunerados para apenas orientar os alunos em tarefas com o fim de obter pontos para aprovação.

Existem patamares de gradação neste processo de Ensinar. O primeiro é Informar, o segundo é Transmitir, o terceiro é Orientar e o último é Capacitar plenamente. Informar reside no estágio de apenas dizer que um tema existe. Se o aluno quiser ele corre atrás do conhecimento. Transmitir já é uma informação com algumas direções que facilitam a busca de informações (informação com direção). Orientar é dar a informação, indicar fontes e classificar estas fontes dizendo qual é a abordagem de cada uma. E Capacitar é uma Orientação acrescida de suas experiências pessoais, inclusive acrescentando os limites a que você chegou, desafiando a pessoa a ultrapassá-lo.

Os professores de nossa época estacionaram no estágio de Transmitir. Como muitos tem dois ou três empregos, simplesmente passam a tarefa aos alunos, na forma de exercícios ou trabalhos, e ficam se poupando na "cadeira de mestre", para evitar um stress ocupacional. Existe uma gradação correspondente aos professores de cursinho, que é a de "Transmitir com macetes". Como o objetivo do aluno de cursinho é resolver questões, os professores deste tipo os orientam quanto à forma esperada de raciocínio exigida por este ou aquele concurso ou teste.

Vamos dar um exemplo destes estágios. Suponhamos que o Tema abordado seja o "Capitalismo". No estágio informar, o professor ordena aos alunos que pesquisem o Capitalismo para a próxima aula que ele vai ministrar (ou pelo menos acredita nisto). É necessário dar as duas visões sobre esta forma de educação chamada de "pesquisa". A pesquisa é muito interessante em termos de (1) dar responsabilidade; (2) ensinar o aluno a achar seus próprios caminhos; (3) desenvolver a visão panorâmica. Este é um lado. Mas considerando a diversidade de educação que os alunos trazem, a diversidade de fontes e a maturidade variada que por vezes não lhes permite distinguir as fontes boas das ruins, a pesquisa pode ser desastrosa, além da visão, até correta, de que a missão do professor é ensinar com eficácia.

No estágio de transmitir, o professor vai fazer uma pequena explanação (talvez até contida em um "Power-Point" resumido) sobre o nascimento e desenvolvimento do Capitalismo, suas teorias e seus teóricos, as crises econômicas mundiais, etc. No estágio de orientar, além desta apresentação, o professor vai ensinar os alunos a distinguir as tendenciosidades que podem aparecer nos textos que os alunos certamente vão procurar na Internet.

No estágio de capacitar, o professor vai mostrar sua apresentação, porém discutindo o Capitalismo dentro da vida diária dos alunos, fazendo-lhes perguntas, e colocando as respostas nos lugares certos das teorias, conceitos e ideias apresentadas em sua explicação inicial.

A grande maioria dos professores já abandonou o estágio de capacitar, pois nem eles mesmos passaram por este estágio. Discutir com os alunos, principalmente adolescentes, traz uma enorme dor de cabeça. A empatia com os alunos só é possível com professores que conheçam a psicologia que envolve seu público, além de um nível de conhecimento que eles nem sonham em adquirir, por preguiça ou por cansaço.





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[1] How we Think - Dewey, John - Part I - The Problem of Training Thought


Um comentário:

Unknown disse...

No item Ensinar dá até vontade de rir, quando se lembra que os professores eram chamados de "mestres". O que temos hoje em dia são profissionais não sei do quê, com 2 ou 3 empregos paralelos, e que dormem na sala de aula.