sexta-feira, 30 de outubro de 2015

De Compreender até Ensinar - Estudando Mortimer J. Adler - II

Compreender

Na definição dicionarizada, Compreender é:

"Conter em si, na memória e na consciência, um significado junto ao seu conhecimento associado"

Mas será que uma pessoa comum entende este "Conter em si" ? Nem a definição de "Consciente" ainda chegou em um consenso que pudesse definir algo como estar vivo e saber o que ocorre à nossa volta.

No artigo anterior (De Perceber até Compreender) já antecipamos que Compreender é um fenômeno pessoal, resultado da fusão do que é Aprendido com as nossas experiências pessoais. Existe um dicionário público, acessível mediante compra em livrarias. A Compreensão acerca dos diversos temas do nosso contexto humano está em um dicionário pessoal, construído ao longo da vida de um indivíduo. A definição dicionarizada deveria ser, portanto:

"Armazenar na memória e na consciência, um significado do consenso comum junto às experiências do indivíduo".

Pensar

Segundo estudo da revista "Discover", nossa mente experimenta 50 mil pensamentos por dia em média. O número varia de acordo com a atividade da pessoa. O filósofo John Dewey, autor do livro "How we think (Como pensamos)" [1], define primeiramente o Pensamento como:

"Tudo o que vem à mente, ou passa pela nossa cabeça."

Como "cabeça" é a tradução literal do inglês "head", temos que entender Cabeça como "Raciocínio" ou até "pessoa". Curioso que na época de Dewey já existia o conhecimento sobre o cérebro. Ao descrever a ação de Pensar em termos do " ... que vem à mente ...", podemos entender um funcionamento episódico do cérebro. Ou seja, ele só é ativado mediante estímulo. Mas, conforme as descobertas da Neurosciência, o Cérebro é uma máquina em funcionamento contínuo, que produz nossa sensação de CONSCIÊNCIA.

A Consciência mantém disponível os "objetos de pensamento" correspondentes e associados ao contexto em que a pessoa está. Se estamos no parque, a Consciência disponibiliza ideias de pássaros, grama, sol, flores, cães, sombra, etc. Se estamos no escritório, a Consciência disponibiliza ideias de cadeira, mesa, computador, parede, janela, etc.

A Consciência é sensível ao contexto.

Portanto, podemos definir o Pensamento como:

Observar mentalmente os vários objetos de um contexto, experimentando as suas relações possíveis.

O Pensamento é uma forma ativa de Consciência. Você não fica situado em um contexto apenas por ficar. O interesse da sua mente é despertado para a busca de novos sentidos neste contexto.

Supor

Podemos considerar Supor como uma das operações do processo de Pensar. Supor depende de vontade, de esforço pessoal, e, por vezes, estende a operação de Relacionar para além dos "objetos de pensamento" do contexto examinado. Para obter algo novo, em matéria de Pensamento, é preciso buscar "objetos de pensamento" não óbvios. É o caso da invenção de Alfred Nobel, que achou a solução para que o TNT (explosivo) conseguisse ficar estável, colocando-o à baixa temperatura. Caso semelhante se deu com Einstein em relação à luz. Ele imaginou a si mesmo viajando no raio de luz. Estes cientistas fizeram suposições. O caso de Einstein talvez seja o mais extremo, pois ele pensou como uma criança. A criança não tem ortodoxia em seus pensamentos. Para ela um elefante como Dumbo pode voar utilizando suas orelhas como asas.

O caso mais recente é o da "matéria escura". Peter Higgs a previu por meio de equações. Ele utilizou a sua "terceira visão", como é chamada a Intuição, ou uma suposição que surge automaticamente pra que algo faça sentido.

Na matemática, o zero foi resultado de uma suposição a que chamaríamos de "complementação lógica". Os matemáticos estavam presos à representação das quantidades somente quando elas estivessem presentes. O zero supriu a representação de quantidade nenhuma por um numeral.

Um cientista, um pesquisador, não deve ficar preso somente ao contexto que está analisando, mas fazer associações e relacionamentos bem livres, como uma criança.

Descobrir

A Descoberta verdadeira vem de uma suposição. Do contexto em foco vem somente Conhecimento e confirmação do objeto em estudo. Descobrir vem do relacionamento dos "objetos de pensamento" de um contexto com "objetos de pensamento" de outro contexto, ou do mesmo, mas que ainda não tinha sido identificado. Neste último caso, o pesquisador fez uma "complementação lógica", ou seja, acrescentou algo ainda não definido para que um comportamento do contexto fizesse sentido.

Descobrir é o grau mais alto de Aprendizado. Segundo Mortimer, o descobridor se torna a fonte primária de aprendizado de um tema. Todos nós somos meras "esponjas" de absorção do conhecimento transmitido. Mas quando fazemos suposições e experimentações que levam à descobertas dentro do tema, ou seja, temos uma experiência pessoal com o tema em estudo, somos levados ao Aprendizado completo e verdadeiro.

Ensinar

Há muitos anos o professor era chamado de "Mestre", para caracterizar alguém que já havia alcançado um grau alto de compreensão de um tema, a ponto de poder transmitir seu conhecimento com propriedade. Mas estes tempos já se foram. Os autores de livros se converteram em compiladores do conhecimento existente, e os professores em empregados remunerados para apenas orientar os alunos em tarefas com o fim de obter pontos para aprovação.

Existem patamares de gradação neste processo de Ensinar. O primeiro é Informar, o segundo é Transmitir, o terceiro é Orientar e o último é Capacitar plenamente. Informar reside no estágio de apenas dizer que um tema existe. Se o aluno quiser ele corre atrás do conhecimento. Transmitir já é uma informação com algumas direções que facilitam a busca de informações (informação com direção). Orientar é dar a informação, indicar fontes e classificar estas fontes dizendo qual é a abordagem de cada uma. E Capacitar é uma Orientação acrescida de suas experiências pessoais, inclusive acrescentando os limites a que você chegou, desafiando a pessoa a ultrapassá-lo.

Os professores de nossa época estacionaram no estágio de Transmitir. Como muitos tem dois ou três empregos, simplesmente passam a tarefa aos alunos, na forma de exercícios ou trabalhos, e ficam se poupando na "cadeira de mestre", para evitar um stress ocupacional. Existe uma gradação correspondente aos professores de cursinho, que é a de "Transmitir com macetes". Como o objetivo do aluno de cursinho é resolver questões, os professores deste tipo os orientam quanto à forma esperada de raciocínio exigida por este ou aquele concurso ou teste.

Vamos dar um exemplo destes estágios. Suponhamos que o Tema abordado seja o "Capitalismo". No estágio informar, o professor ordena aos alunos que pesquisem o Capitalismo para a próxima aula que ele vai ministrar (ou pelo menos acredita nisto). É necessário dar as duas visões sobre esta forma de educação chamada de "pesquisa". A pesquisa é muito interessante em termos de (1) dar responsabilidade; (2) ensinar o aluno a achar seus próprios caminhos; (3) desenvolver a visão panorâmica. Este é um lado. Mas considerando a diversidade de educação que os alunos trazem, a diversidade de fontes e a maturidade variada que por vezes não lhes permite distinguir as fontes boas das ruins, a pesquisa pode ser desastrosa, além da visão, até correta, de que a missão do professor é ensinar com eficácia.

No estágio de transmitir, o professor vai fazer uma pequena explanação (talvez até contida em um "Power-Point" resumido) sobre o nascimento e desenvolvimento do Capitalismo, suas teorias e seus teóricos, as crises econômicas mundiais, etc. No estágio de orientar, além desta apresentação, o professor vai ensinar os alunos a distinguir as tendenciosidades que podem aparecer nos textos que os alunos certamente vão procurar na Internet.

No estágio de capacitar, o professor vai mostrar sua apresentação, porém discutindo o Capitalismo dentro da vida diária dos alunos, fazendo-lhes perguntas, e colocando as respostas nos lugares certos das teorias, conceitos e ideias apresentadas em sua explicação inicial.

A grande maioria dos professores já abandonou o estágio de capacitar, pois nem eles mesmos passaram por este estágio. Discutir com os alunos, principalmente adolescentes, traz uma enorme dor de cabeça. A empatia com os alunos só é possível com professores que conheçam a psicologia que envolve seu público, além de um nível de conhecimento que eles nem sonham em adquirir, por preguiça ou por cansaço.





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[1] How we Think - Dewey, John - Part I - The Problem of Training Thought


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

De Perceber até Compreender - Estudando Mortimer J. Adler - I

No Post anterior nos referimos ao conceito de Aprender, na forma da raiz da ação de Apreender ligado a um objeto. Esta é a abordagem louvável que fez o erudito autor Mortimer J. Adler, de cujo trabalho vamos falar ao longo dos próximos artigos, em busca da compreensão dos métodos para Coletar e Gerir o Conhecimento com eficácia.

Percebemos, mas isto basta ?

A sociedade do final do século XX e deste início do século XXI estacionou no PERCEBER, com a justificativa do imediatismo e da ênfase exagerada no lazer. Não vamos tecer "considerandos" sociológicos, para não perder o foco em nosso objetivo.

Mais que OBSERVAR, os indivíduos se detiveram apenas no VER. Ver é essencialmente involuntário. Observar toma tempo pois implica em medidas, em comparações, em analogias, e em tempo finalmente. A sociedade atual nos ensina a não perder tempo. Hoje tudo é terceirizado, na crença de que o dinheiro paga o tempo que nós iríamos gastar com um processo demorado. Ver e Ouvir está para a preguiça, e Observar demonstra um pouco de vontade.

Todos estes estágios param em apenas PERCEBER. Qual é o lucro, e que esforço é mostrado nisto ? Nossos olhos, ouvidos, nariz e tato estão aí para isto mesmo. Mas qualquer ser primitivo, besta fera, é capaz de estar sujeito aos estímulos, Até os sensores de presença fazem trabalho semelhante.

Usando a Percepção

Daí vem uma capacidade humana que abre para os férteis terrenos da mente: DECODIFICAR. Quando reconhecemos um padrão, e sobre ele uma mensagem a mais do que nossa Percepção detecta, estamos agregando valores ao que é visto, ouvido, tocado ou sentido pelo olfato.

Alguém já disse que o analfabeto é "um cego para as letras". Ele sabe que tem algo escrito, mas não tem a mínima ideia do que possa ser [1].

A Decodificação presume um Conhecimento prévio das duas partes, a que envia a mensagem e a que recebe a mensagem. Um código sujeito à decifração exige pelo menos dois indivíduos. No caso das línguas, este código é de conhecimento amplo, molda mentes, descreve costumes e pode delimitar uma nação. Tal é a força de uma língua [2]. Mas é a língua ou o código que forma a sólida base de uma nação ? Podemos dizer que é o código por detrás da língua, pois as derivações das raízes formam todo um sistema filosófico, que origina costumes e religião. Exemplo clássico é o do povo judeu. A prova de sua solidez é a perseguição empreendida contra os seus princípios. Mas isto é uma discussão filosófica, fora do escopo de nosso objetivo. Só mencionamos este aspecto para realçar o poder de um código.

Decodificar e Ler

Se chamarmos a Decodificação silábica para fins de pronúncia e reconhecimento das palavras de Ler, estaremos nos tornando um pouco melhores que os papagaios. Classifiquemos esta forma de Leitura exclusivamente funcional em Decodificação, com toda a honestidade. O ser humano foi concebido para muito mais do que isto. Somos muito mais capazes do que isto. Lembrem-se que nós mesmos, humanos, concebemos alfabeto, valores fonéticos e SIGNIFICADOS. Utilizamos do princípio dos SÍMBOLOS e criamos alfabetos, arquitetamos as sílabas, e associamos a isto Ideias e Conceitos.

O Olhar para identificar e Separar

Ao olharmos (ação efetiva, e não somente o ver da Percepção) alguma coisa, esta toma algum sentido quando percebemos as suas PARTES. Isto é SEPARAR. Não é atoa que Separar é a ação por excelência daqueles que almejam a Compreensão das coisas.

Na leitura, somente a Decodificação e Verbalização não levam a nada. Ainda temos as variadas Partes dos aglomerados de símbolos. Os símbolos (PALAVRAS, as menores unidades de uma leitura) são espaçados e formam Frases. As Frases compõem afirmações, negações e qualificações diversas. As possibilidades são infinitas. Ao discernimos os espaços, sabemos onde os símbolos (Palavras) começam e acabam. As vírgulas, pontos finais e outros tipos correlatos nos dão outros limites de Separação.

Ler e Conhecer

Mais do que Ler (atingido o correto proceder que se segue a uma Decodificação, ou até a uma Separação), o Leitor/Interpretador precisa ter a capacidade de extrair Conhecimento de um texto. Isto não é trivial. Convido-os a ler os comentários das redes sociais, que evidenciam, de forma contundente, esta deficiância, em amostragem de grandes proporções.

A coleta e formação de Conhecimento exigem uma quantidade de habilidades que exigem método, paciência e muita experiência.

Mas por que associar Ler e Conhecer, quando o conhecimento pode vir de diversas fontes ? Porque o Conhecimento pela leitura já vem de uma forma organizada. É facil se explicar verbalmente, mas colocar um tema da forma escrita exige Sequência concatenada de pensamentos, explicação dos pontos difíceis (ideias e conceitos que não fazem parte da vida comum), referências cruzadas (ao que já foi colocado anteriormente), evidências que corroboram fatos e argumentos, e uma série de elementos que tornam o tyexto agradável de se ler.

Por isto, A LEITURA PROPORCIONA UMA DAS FONTES MAIS EFICAZES DE TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO. E hoje, no século XXI, existe uma legião de medíocres que questionam a leitura clássica disponível, consagrada pelos tempos, como as obras de Platão, Sócrates, Locke, Kant, Marx, Adam Smith, Descartes e outros ícones da literatura e da filosofia. Em termo de obras podemos citar como referência absoluta e inquestionável, pela sua notoriedade: o Inferno de Dante, Ilíada, Odisséia, Bíblia, Mahabartha, Ramayana, Gargântua, Fausto, Riqueza das Nações e outros.

Estes autores e estas obras são referência, são pilares do saber, Se a pessoa acha-as dispensáveis ou ultrapassadas, diremos:

Se a nossa sociedade se formou e evoluiu a partir do conhecimento existente nestes livros, este conhecimento deve, obrigatoriamente, SER RECONHECIDO POR NÓS, como uma infra-estrutura inquestionável de pensar e de orientar nossa forma de conduzir nossas vidas.

Você ignora o conteúdo da Riqueza das Nações ? Azar o seu, pois a nossa estrutura econômica continua obedecendo aos princípios enunciados e explicados neste livro. Acha graça de algumas "lendas" da Bíblia ? Lendas ou realidade, descrevem coisas bem básicas do ser humano, como inveja, ódio, mentira, etc. Acha Descartes dispensável ? Pois saiba que todo o princípio da geometria plana reside nos princípios do plano e de suas coordenadas Cartesianas. Acha Sócrates um tolo ? Ele enunciou, com os filósosfos, princípios da psicologia que são baluartes do modo de encarar a vida, como o famoso "CONHECE A TI MESMO".

Valorização exagerada do Conhecimento

Tem uma dúvida ? Consulte o oráculo Google. Ele tem tudo. Mas só no que se refere ao Conhecimento. Você é que vai ter que resolver o seu problema. O Google, como repositório de Conhecimento, não mostra exatamente a solução de um problema da vida. Ele fala sobre o problema. Você é que vai precisar digerir o conhecimento apresentado, unir à sua experiência, pensar um determinado tempo, e só então propor a si mesmo uma solução. E depois é colocar em prática.

O Conhecimento é como uma vasta biblioteca. O livro sobre o assunto relacionado ao problema que você precisa resolver não vai saltar da prateleira automaticamente. Por vezes você pensa que a solução do seu problema está na medicina, quando realmente ele já foi contemplado pela psicologia. Uma boa Biblioteca não tem só bons livros, mas um bom bibliotecário, que vai te ajudar na procura e na escolha do melhor resultado.

Conhecer e Aprender

Suponha a seguinte situação. Você é apresentado ao seu novo vizinho. Isto é Conhecimento. Você vai lhe dar bom dia, boa tarde e boa noite a partir do dia da apresentação mútua. Mas isto te dá a capacidade de tratar com este vizinho sem que surjam discussões ?

Para Aprender a lidar com este novo vizinho, vai ser preciso utilizar a Percepção (observação visual, diálogos, etc). Será preciso contato pessoal. Nem sempre o que se comenta sobre outra pessoa pode ser armazenado como Conhecimento. As opiniões (a vida e a Internet fornecem uma série de opiniões idiotas) não passam de opiniões. Elas precisam vir acompanhadas de um dossiê sobre o emissor da opinião. Quando o emissor é venal, mentiroso ou parcial, ela não srve de nada.

Para aprender sobre este vizinho, vai ser preciso armazenar um histórico de suas ações, de seus comportamentos sociais e de seu comportamento no trabalho. Isto é Conhecimento. Além disto, você pode proceder aos experimentos. O Conhecimento não é um curso de água estagnado. Você pode experimentar deixar uma revista que ele assina na porta dele, para ver se ele agradece. Pode-se também pedir dinheiro emprestado ao vizinho. Parece brincadeira, mas com estes atos pode-se aprender muito sobre a reação da pessoa.

O Conhecimento não é estático. Principalmente no terreno científico, a coisa muda com muita rapidez.

Aprender e Compreender

O que é Compreender ? A maior parte das pessoas confunde esta ação com Aprender. Compreender é o estágio mais avançado de Aprender. A Compreensão vem quando você cruza o Conhecimento consolidado sobre um assunto com a sua experiência pessoal. Compreender é, portanto, A INTERNALIZAÇÃO PESSOAL DO CONHECIMENTO CITADINO (o consagrado pela maioria das pessoas).

Aprender é mais ligado ao instinto gregário, e Compreender reside no âmbito pessoal. Na sala de aula, os alunos Aprendem, juntos, a extrair a raiz quadrada de um número, na forma de um método que vale para qualquer pessoa. O cálculo não depende da pessoa, e sim do método. Mas cada aluno tem uma Compreensão do processo diferente, imaginando, por exemplo, que a estimativa da primeira raiz começa pela metade do número que consta do problema proposto. Outro aluno pode ter em mente que esta estimativa é de um terço do número. Outro pode utilizar uma tabela.

Em outras palavras,

 APRENDER É COLETIVO,
 COMPREENDER É INDIVIDUAL.

Um outro exemplo seria o aprendizado da digestão. Um aluno que veio da zona rural pode imaginá-la lembrando das observações que fez das vacas que via nas fazendas. Já o aluno da zona urbana pode aplicar suas lembranças pessoais de se alimentar no self-service e de ir ao banheiro. Outro ainda pode associar a digestão ao regime de evacuação do seu cachorro de apartamento, analisando o quanto ele come e o volume e cor de suas fezes. Ou seja, Aprender é uma atividade "impressionista": você agrega suas impressões de fenômenos associados aquele Conhecimento ao que é ensinado em sala de aula ou nos livros didáticos.






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[1] O artigo 595 define "assinatura a rogo", feita por duas testemunhas, em contrato, caso uma das partes seja analfabeta.
[2] Vejam os exemplos dados pelos Bascos, Judeus, Curdos e Árabes.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O que é aprender ?

Como APRENDER é algo que se destaca em uma sociedade cultural, o meio mais frequente para tal fim se torna a LEITURA. É a partir dela que o APRENDIZADO se consolida. Este assunto foi tratado por Mortimer J. Adler em seu antológico livro que, na tradução para o português leva o título "A Arte de Ler" [1]. Segundo ele, a Leitura é uma das ferramentas, talvez a principal, para se chegar ao Aprendizado [2].

O autor (Mortimer J. Adler) faz uma comparação entre o ato da LEITURA e um jogo de BEISEBOL [3]. E fruto desta comparação é citada a tríade de verbos: LER, APRENDER e APREENDER. A última ação (apreender) é a que mais se aproxima da função do "catcher" deste esporte americano tão popular (beisebol), cuja função é justamente a de APREENDER [4] a BOLA.

Nesta feliz comparação de Mortimer, a BOLA é o novo CONHECIMENTO [5], que deve ser Seguro (apreendido, agarrado). Nesta analogia, o que seria a MÃO do "catcher" ? Esta mão representa a COLEÇÃO DE CONHECIMENTOS da mesma categoria, e de categorias mais próximas do Contexto em que ele foi expresso ou observado, ato que se iguala ao LANÇAMENTO DA BOLA [6].

Verdade Redundante

Se a Bola (nova ideia) precisa ser Segura (apreendida) pela Mão (conhecimentos já adquiridos), podemos dizer que só podemos compreender um novo Conceito ou Definição se já possuirmos, a anteriori, um somatório suficiente de "pré-conceitos" relacionados ao qual fomos expostos agora, no momento deste novo APRENDIZADO. Daí constatamos o quão difícil é aprender algo novo.

E se for totalmente NOVO, precisamos compreender o grau de dificuldade implícito no ensinamento de Ranganathan: "só podemos distinguir com clareza algo já parecido com outro algo que já conhecemos".

Formação do Conhecimento

Pelo que foi exposto, fica fácil compreender o porquê da formação de um adulto crítico a partir de uma criança altamente sugestionável, que absorve com grande avidez as primeiras impressões e verdades da vida sem questionamento e com grande alegria.

Os conhecimentos básicos das crianças vem das impressões colhidas em meio aos cuidados de seus pais em relação a elas, das canções de ninar, das brincadeiras com os pais, das atividades e dramatizações feitas utilizando ou não seus brinquedos como intermediários, da descoberta de seu próprio corpo, da observação do ambiente físico do seu lar e da observação da natureza (árvores, animais, céu, sol, lua, veículos, casas). Sobre este Universo básico serão colocados novos conhecimentos "lançados" sobre as crianças. Ligações ("links" [7]) serão então construídos entre este novo conceito "lançado" e os já existentes por meio de relações.

Relações Ricas e Relações Pobres

As relações entre conceitos podem ser diretas ou indiretas. Por incrível que pareça, as indiretas são mais eficientes para provocar crescimento e maturidade. As relações pobres são os sinônimos. E por que pobres ? Porque sugerindo uma associação imediata, não implicam em uma cadeia de raciocínios que provoque aquela sensação de revelação peculiar á descoberta. As ricas são as mediadas por verbos em expressões significativas que lembram fatos históricos, episódios ilustrativos. Alguns exemplos de verbos são: possui, determina, submete, controla, é controlado e assemelhados.

As relações intermediárias envolvem comparações como "é menor", "é maior", "é igual", pois se aproximam de uma medida geométrica.

Relações episódicas

Uma situação bem conhecida vai ilustrar esta exposição. Se a criança já fez suas dramatizações (chamaremos assim por ser mais conveniente) com seus carrinhos de brinquedo, ela vai "RECONHECER", ou seja, "APREENDER" o significado do carro de seu pai, apenas acrescentando a este significando (o carro do pai) o característico de ser maior do que aquele com o qual brincava e que lhe serviu de modelo mental. E quando for mais velha, esta criança, ao entrar em contato com o Ônibus, pela primeira vez, vai acrescentar ao significando do carro um novo conceito, qual seja o de "Carro que transporta várias pessoas, bem mais do que o carro básico".

Quanto mais "História" a criança ou o jovem (ou mesmo o adulto) acrescentar a um significando, enriquecendo o seu significado, mais relações estará construindo em torno do núcleo básico de uma ideia, de um conceito e, consequentemente, melhor, mais eficiente será a "APREENSÃO" do conceito "lançado" sobre ela.

Anotações e Aprendizado Ativo

Mortimer chama o Aprendizado de ativo quanto mais atividades o leitor realiza enquanto está lendo. As formas mais comuns de atividades são: o grifo, as anotações, os diagramas. Só pelo fato de estar com uma caneta na mão anotando, o leitor já está integrando seus centros motores na ação de leitura. Mas a integração de centros motores à atividade intelectual é só um fator auxiliar. Perguntaríamos: "onde está o estímulo intelectual na leitura ativa ?"

A resposta está na maior possibilidade de se achar Relações entre as Ideias ou Conceitos Básicos da infância e as Ideias Lançadas, bem como entre os Conceitos Secundários em relação aos Básicos e os Conceitos ou Ideias Lançadas pelo texto. As relações entre conhecimentos Básicos e os Novos se encaixam na regra de Ranganathan sobre Reconhecimento.

Só podemos dizer que aprendemos quando constatamos que fomos capazes de estabelecer estas Relações entre o Novo e o Velho.

Dedução

A Dedução é uma Relação mais distante com base nas Ideias relacionadas, num nível superior. Uma dedução simples seria, a partir de a = b e b = c, deduzir que a = c. Para a dedução é preciso um pouco do elemento de "insight". Você consegue constatar algo entre as Ideias que não está diretamente associado a elas, mas à uma composição das mesmas. Seria como a percepção de Einstein sobre as propriedades da luz, quando se imaginou viajando em um de seus raios.

Conclusão

Ler é uma das ferramentas para se Aprender. Aprender é estabelecer Relações entre Novas Ideias e o conjunto de Conceitos e Ideias contidos em nossa memória,


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[1] Editora AGIR - Primeira Edição ano 1930. Título original: "How to read a book".
[2] Leitura e Aprendizado - Se a leitura for feita como reza o livro citado, ela servirá de instrumento eficiente para um aprendizado eficaz.
[3] Capítulo 2, parte 3 (numeração da edição de 1954 - Editora AGIR)
[4] Sendo o corpo a medida e parâmetro inicial para as comparações do ser humano, o SEGURAR da Bola é o que mais se aproxima do APREENDER dos sentidos que uma leitura quer expressar.
[5] O Conhecimento é uma expressão precisa de uma nova Observação ou Dedução, completo em si mesmo, conforme a Ideia de seu Autor. Ele não é a INTERPRETAÇÃO que lhe dão, mas um fruto genuíno de CONTEXTO definido no momento da experimentação ou no momento de sua dedução. Ele está solidamente atrelado a uma Época (Tempo) e a um lugar (Local). Reexperimentado e produzindo as mesmas impressões em outros Tempos e Locais, ele se torna um Conhecimento Global, um CONCEITO ou uma DEFINIÇÃO.
[6] A cada vez que surge uma dificuldade, expressa por um problema, resultado de uma mudança ocorrida em um Tempo da história, podemos dizer que houve o lançamento de uma Bola, como uma nova tendência, uma nova moda ou uma nova solução.
[7] Esta forma de ligação ficou mais evidente com o surgimento do ambiente Web. O livro pioneiro nestas ligações foi a Bíblia, com seus versículos cruzados.